Poema de Miguel Torga
Miguel Torga
Inês de Castro
Antes do fim do mundo despertar,
Sem D. Pedro sentir,
É dizer às donzelas que o luar
E o aceno do amado que há-de vir…
E mostrar-lhes que o amor contrariado
Triunfa até da própria sepultura:
O amante, mais terno e apaixonado,
Ergue a noiva caída à sua altura.
E pedir-lhes, depois, fidelidade humana
Ao mito do poeta, à linda Inês…
À terna Julieta castelhana
Do Romeu português.
Miguel Torga, Poemas Ibéricos
Poema de Bocage
Bocage (n. 1765 – m. 1805)
Cantata à morte de Inês de Castro
Toldam-se os ares
Murcham-se as flores;
Morrei, Amores,
Que Inês morreu.
Mísero esposo,
Desata o pranto,
Que o teu encanto
Já não é teu.
Sua alma pura
Nos Céus encerra;
Triste da Terra,
Porque a perdeu.
Contra a cruenta
Raiva ferida,
Taça divina
Não lhe valeu.
Tem roto o seio,
Tesouro oculto;
Bárbaro insulto
Se lhe atreveu.
Da dor e espanto
No carro de ouro
O númen louro
Desfaleceu.
Aves sinistras
Aqui piaram,
Lobos uivaram,
O chão tremeu.
Toldam-se os ares
Murcham-se as flores;
Morrei, Amores,
Que Inês morreu.
Bocage, Cantata à Morte de Inês de Castro
Poema de Fiama H. P. Brandão
Inês de Castro
Teceram-lhe o manto
Para ser de morta
Assim como o pranto se tece na roca
Assim como o trono
E como o espaldar
Foi igual o modo
De a chorar
Só a morte trouxe
Todo o veludo
No corte da roupa
No cinto justo
Também com o choro
Lhe deram um estrado
Um firmal de ouro
O corpo exumado
O vestido dado
Como a choravam
Era de brocado
Não era escarlata
Também de pranto
A vestiram toda
Era como um manto
Mais fino que a roupa
Fiama H.P.Brandão, Obra Breve
Poema de Ruy Belo
Pedro e Inês
Tu amavas o sol perdidamente
E tudo te pedia um pouco do perfume do pomar
Aurora não do dia aurora do amor
Alegria tão forte que causava dor
Nave de pedra em luz transfigurada
Há cotovias já no teu silêncio
Há coisas de outra idade neste dia
Que afugentou os rouxinóis da noite
É manhã nas estrelas vai alguém casar
Pedra de pedra pedra intensamente
Testamento lavrado sendo já alto o serão
Alguém casou alguém morreu de amor
Após a sua postrimeira dor
Talvez um dia eu volte lá dessa cidade
Somente minha e de mais ninguém
A vida era a mágoa para mim que só pedia
A beleza contida num pequeno copo de água
Ninguém profundamente me conhece
Nem talvez isso interesse a alguém
E os íntimos menos que a ninguém
Bailador e Monteiro e justiceiro
Pedro primeiro Pedro derradeiro
Ruy Belo, “ A Margem da Alegria”, 1973, (fragmento final) in Obra Poética de Ruy Belo, vol.2, Ed. Presença
Poema de José Carlos Ary dos Santos
José Carlos Ary dos Santos (n. 1937 – m.1984)
Soneto de Inês
Dos olhos corre a água do Mondego
Os cabelos parecem os choupais
Inês! Inês! Rainha sem sossego
Dum rei que por amor não pode mais.
Amor imenso que também é cego
Amor que torna os homens imortais.
Inês! Inês! Distância a que não chego
Morta tão cedo por viver demais.
Os teus gestos são verdes os teus braços
São gaivotas poisadas no regaço
Dum mar azul turquesa intemporal.
As andorinhas seguem os teus passos
E tu morrendo com os olhos baços
Inês! Inês! Inês de Portugal
José Carlos Ary dos Santos, in Obra Poética
Poema I
MEMÓRIA
Inês, Inês,
O tempo fere mais que o sangue!
Inês em nós,
Amor que as pedras amacia.
Memória, lume vivo,Eterna melodia.
Águas do Mondego,
Que grito fatal vos rasgou o leito?!
Amor nascido sem medo,
Por isso verdadeiro.
Doces no passar ameno,
Madrigais de silêncio,
Soluços de nunca mais
Despertando ervas frias,
Testemunhas de punhais.
Eduardo ArosoIn
«Habitante Sensível»(Universitária Editora, 1997)
Poema II
A Ulina Soneto dedicatório
Da miseranda Inês o caso triste
Nos tristes sons,que a mágoa desafina,
Envia o terno Elmano à terna Ulina,
Em cujos olhos seu prazer consiste.
Paixão, que, se a sentir, não lhe resiste
Nem nos brutos sertões alma ferina,
Beleza funestou quase divina,
De que a memória em lágrimas existe.
Lê, suspira, meu bem, vendo um composto
De raras perfeições aniquilado
Por mãos do Crime, à Natureza oposto.
Tu és cópia de Inês, encanto amado;
Tu tens seu coração, tu tens seu rosto...
Ah!, defendam-te os Céus de ter seu fado!